sexta-feira, 22 de junho de 2012

FAROL DAS NAÇÕES-JG

Água, cafezinho, comida congelada, comida rápida, fora de casa. Em algum momento, a humanidade simplesmente decidiu que ser moderno, ser prático, era ser descartável.
E assim, o plástico virou um grande inimigo do meio ambiente.
Só um exemplo: tomar sorvete. Sabe aquela pergunta clássica? Casquinha ou copinho? Eu mesmo vivia pedindo o descartável, até gravar este programa, e alguém me falar no assunto. Que sentido faz trocar um alimento por uma coisa que vira lixo?
Imagine a diferença que uma escolha tão simples pode fazer. O fato é que podemos nos acostumar a viver com menos plástico.
Mas e com menos tecnologia? Quem se arrisca? Quanto tempo dá para ficar sem os maravilhosos eletrônicos que adoramos comprar. E trocar, a cada novo modelo? Essa dependência gera um lixo perverso, dos mais perigosos.
"O nosso conforto, a tecnologia, ela devasta a natureza. Já causamos um dano para ter aquele nosso conforto. Se você volta aquilo de forma incorreta para o meio ambiente, esse metal pesado, que é cancerígeno, que tem um monte de implicações para saúde do ser humano, e para natureza, para o meio ambiente, vai contaminar. Solo, lençol freático, atmosfera, e vai acabar voltando para gente de novo como prejuízo para nossa saúde", alerta Alex Luiz Pereira, diretor-presidente do Coopermiti.
Alex coordena uma espécie de oásis. Escondido numa rua tranquila da Barra Funda, bairro antigo de São Paulo. De repente, ao se dobrar uma esquina, está a fachada verde. É uma cooperativa. Ela não oferece água a viajantes sedentos. Quem já descobriu o lugar vai atrás de outro tipo de alívio: se ver livre de sucata eletrônica. Quem não tem uma caixa com eletrônicos velhos em casa?
A cooperativa, com 21 associados, é a primeira do gênero, no Brasil. Mantém convênio com a prefeitura para fazer um serviço completo: coleta, triagem e reciclagem do lixo eletrônico.
Aprendemos muito sobre o assunto. Até com a Jaqueline, que acabou de chegar. Um mês atrás ela trabalhava em telemarketing. Agora, ela corta tomadas e as separa dos fios. São itens que seguem rumos diferentes na reciclagem.
"Aqui a gente faz de tudo um pouco, às vezes chegam as gaiolas cheias de coisa onde tem que separar teclado, mouse, de TV, tudo cortando fio. Então, todo mundo faz um pouco de tudo", conta Jaqueline.
Boa parte do material descartado chega na cooperativa funcionando perfeitamente. Eletrodomésticos de todos os tipos, computadores. Todos expulsos de cena bem antes do fim de sua vida útil.
"É, torna-se algo compulsivo. À medida que a tecnologia vai avançando, as pessoas não querem ficar para trás e outra, eles querem sempre ter um melhor que o outro. O meu tem que ser melhor do que o do outro. Não importa que o antigo esteja funcionando em perfeito estado", analisa o reciclador Flávio Serbaluk.
Flávio é um pintor de paredes que está virando especialista em desmontar computadores. Trabalho de muita responsabilidade, documentado passo a passo para o cliente não ter dúvidas.
"Ele tem uma identidade, um local onde ele armazena as informações, e a gente não pode desfazer de um equipamento com informações de outras pessoas. Tem que apagar tudo e aí desmontar", explica Flávio.
Ouro, lítio, prata, cobre. São muitos metais preciosos nas entranhas de um computador. E cada pedacinho pode ser reaproveitado. O material mais valioso está nas placas-mãe e nos processadores.
“As peças que têm os metais mais nobres na composição, é exportado. Porque nós temos indústrias lá fora que fazem esse processo. No Brasil, ainda não há uma indústria ainda que tenha esse processo para extrair esse metal nobre do resíduo”, explica Alex.
As placas, a maioria fabricada na Ásia, saem de lá para os computadores do mundo todo. Mas esta não é a última viagem delas. Na hora de descarte, podem até fazer o caminho de volta. Ou fazer escalas, saltando pelos continentes. Depende de quem vai extrair os metais nobres, dar destino correto aos contaminantes.
Gente como Boris Kortiak, com quem conversamos pela internet. "A gente faz parte de uma aliança de empresas mundiais. Então, o que acontece é que cada parte dessa aliança é um especialista em alguma coisa, em recuperação de uma coisa só. As placas vão para as empresas que são melhores de recuperar, de reciclar as placas. Pode ser um dos nossos aliados no Canadá, em Europa. É possível até voltar para a China, se a China tem a tecnologia para fazer a reciclagem, pode voltar pra eles", afima o importador.
Mundo afora, o trabalho com a chamada "logística reversa" atrai cada vez mais pessoas. Desmontar e dar destino útil até não sobrar quase nada para o lixo. Mas, por enquanto, eliminar chega a ser até mais difícil do que a própria fabricação do produto.
"Um monitor, por exemplo. Eu vou desmontar todo ele, mas eu preciso descontaminar o tubo. Eu preciso gastar o meu dinheiro para descontaminar o tubo. E eu não trato, eu não sou uma indústria, uma empresa que tenha a licença ambiental para fazer esse tipo de trabalho. Eu preciso contratar, pagar uma empresa que tenha a licença e a estrutura, e o equipamento, e a máquina, e o profissional para fazer esse tipo de trabalho", explica Alex.
A cooperativa ainda tem muito espaço para crescer. Bastante mesmo! O processamento do material poderia ser multiplicado por 4, talvez por 8, com muito mais gente trabalhando o tempo todo. Mas o que falta para isso?
Esse é um desafio grande, porque é uma mudança de comportamento. As pessoas têm essa resistência. Você sempre acha que a responsabilidade é do próximo e não sua. A criança, você percebe que ela entende que é dela: ‘isso aqui é meu e eu vou ter que fazer’. Então dá esperança de que uma geração futura já tenha um novo comportamento. Talvez o desafio seja essa geração que está agora. Como que a gente consegue fazê-la mais consciente para ela começar a consertar o problema?",Por: reflete Alex.
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FONTE: Jornal da Globo